Quem Disse Que os Bebês Não Falam?


Esta história incrível mostra a sabedoria da grande mulher que foi Françoise Dolto, por quem tenho uma profunda admiração.


     O que vou lhes contar ocorreu na Maison Verte, instituição parisiense de acolhimento de crianças de zero a três anos, criada pela psicanalista Françoise Dolto.
    Quando na juventude de minha formação psicanalítica, tive a oportunidade de passar algumas tardes naquele local, acompanhando o trabalho de Dolto, já então, ícone da psicanálise dita infantil.
   Em uma tarde, um casal relativamente jovem chegou para a consulta com cara de desespero. Traziam um bebê nos braços, o qual aparentava uma fraqueza importante. Deveria ter uns três ou quatro meses de vida.
     Dolto, cheia de atenção vigilante e afetuosa, ficou sabendo dos pais que ao desespero da criança que não comia, razão por estar esquálida, somava-se a preocupação com o desemprego do pai, a sobrecarga da mãe, e as contas que não fechavam no mês.
    Assisti, em seguida, Françoise Dolto se dirigir diretamente ao bebê, sem qualquer atenção ao fator compreensão, e lhe explicar, olhos nos olhos, que ela, Dolto, entendia muito bem que ele não quisesse comer, uma vez que sua chegada poderia ser pensada como em má hora, e que o melhor talvez fosse desaparecer. Contestou, no entanto, afirmando que ele estava enganado, pois sendo tão querido e esperado, sua morte precoce retiraria dos seus pais o único efetivo alento naquele momento difícil de vida. E assim se despediu dos três – filho, mãe e pai –dando-lhes um retorno para a semana seguinte.
    Quando saíram, Dolto me disse: -“Você vai ver só o que vai acontecer”.
    No segundo encontro, confirmando a previsão da analista, eram outras pessoas que estavam ali. O bebê estava comendo, e bem.
    Ao final do atendimento, a doutora me falou: -“Você viu como os bebês falam? Você viu a prova?”. Aí, para mim, foi demais. Com a delicadeza devida, contestei que não era que bebês falassem, mas que – como Lacan havia demonstrado no estádio do espelho... – ao ela falar com o bebê, estava realmente falando a seus pais que, por conseguinte, tinham mudado sua posição e possibilitado a alteração sintomática.
    Dolto não me deixou avançar muito em minha peroração. –“Sim, sim – me retorquiu – eu também conheço o ‘seu Lacan’ e bastante bem. Além de companheiros de toda uma vida, somos mesmo muito amigos. Agora, que ele o diga com o espelho, é interessante, quanto a mim, digo e mostro – como você viu –que os bebês compreendem e sabem falar”.

Jorge Forbes
Psicanalista

Este artigo foi enviado pelo amigo Marcus Quintaes, psicanalista junguiano e coordenador do Grupo Himma - o qual frequentei por muitos anos. 
Obrigada Marcus!

11 comentários:

  1. Nossa, Cris, que história linda! Eu acredito que BBs entendem bem mais do que a gente pensa.
    Beijos 1000, tenha uma ótima 4ª-feira.

    GOSTO DISTO!

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  2. ai, nada prá levar uma mãe ao desespero como uma criança que não come! Deveriam incluir artigos como esse em cursos pré-natal.... :) seja por mostrar que os bebês falam e ouvem, ou por mencionar que a mudança pode ter partido ma mudança de atitude dos pais. como 100% leiga no lado científico da coisa, agradeço pela informação, e como mãe que passou por situação similar, agradeço pelas sugestões!
    bjo

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  3. Cristiane, só me ocorre uma palavra: comovente!
    Beijo

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  4. Oiii Cris!!!
    Nossa, linda a história, delicada, afetuosa...
    E ler essas coisas aqui no teu blog me faz tão bem...
    Ainda que eu não exerça mais a psicologia, ela estará sempre em mim, no meu coração...
    Sempre adorei Lacan...

    Sabe que essa semana fiquei muito feliz com uma coisa:
    Há alguns anos atrás trabalhei na área social com famílias carentes com uma equipe muito legal, na prefeitura de uma cidade bem pequena, vizinha de Tubarão (onde moro)...
    Como eu não era concursada, tive que sair quando mudou a administração, embora eu nunca tivesse tido nada a ver com política...
    Em outubro agora o prefeito daquela época se elegeu (depois de 4 anos)... E quando foram montar a equipe de novo lembraram de mim, falaram que a vaga de psicóloga devia ser oferecida a mim primeiro por conta do trabalho que ajudei a realizar...
    Embora eu não possa aceitar, pela falta de tempo por conta da nova faculdade e tudo mais, fiquei tão feliz pelo reconhecimento sabe??? Foi como um presente...

    Queria dividir isso com você porque te admiro muito!!!!
    Beijãooo flor

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  5. Puxa Aliny, fiquei muito feliz por você! E também por ter dividido isso comigo, obrigada!
    Mesmo não podendo aceitar o cargo, saber que seu trabalho foi reconhecido é um grande presente!
    Parabéns! Você merece!
    Bjs

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  6. Tu é virginiana também???? Mais uma coisaaaaaa em comum, hehehe...
    Pois é, preciso fechar o ciclo, absorver o livro e me despedir dos personagens...
    É muita sensibilidade nossa, mas isso é tão bom né??? hehe...
    O reconhecimento foi como um presente mesmo... Sabe aquela sensação de que fizemos alguma diferença??? Principalmente no que diz respeito a pessoas que careciam de tanta atenção na época, mas que me ensinaram tanto também...
    Beijoooooo flor

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  7. Linda historia, e compartilho que bebe entende tudo, e sempre conversava com minhas contando o que tinha feito no dia, quem tinha encontrado, se tinha passado tudo bem, era uma longa conversa no fim do dia, quando chegava do trabalho e ia dá banho, jantar e depois colocar para dormir, era como se fosse uma historinha.
    beijos

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  8. Querida Cristiane
    Que maravilhoso!
    Também admiro muito Françoise Dolto e encantei-me por esse texto.
    Um grande abraço
    Léia

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  9. Quando fiz estágio na biblioteca do Sedes Sapientiae ficava encantada pelos textos deste ícone (com o meu olhar leigo sobre a psicanálise claro!!).
    Lindo post! Beijos

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  10. Não entendo nada de psicologia, mas uma coisa da vida eu sei: tem gente que sabe muito, mas não sabe passar nada adiante, não sabe mover uma pedra de lugar mesmo sendo muito forte. Outras pessoas, no entanto, parecem ter o dom de mudar as pessoas e o ambiente à sua volta - puxando orelhas, passando reprimendas, dando exemplos e fazendo parecer que, de modo algum, estão fazendo isso. Essa Françoise me parece uma pessoa dessas: muita sabedoria e nenhuma soberba. Parabéns prá ela. Ah, pensei que já estava te seguindo (corrigi hoje esse erro...). Beijos!

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