Uma grande emoção receber este depoimento da Rapha; quanta sabedoria, delicadeza e beleza! Não poderia deixar de compartilhar com vocês...
"No final de 2014, me chegou uma vontade nova. Com o entusiasmo das coisas que se decidem por si mesmas, pedi para fazer parte de um círculo de mulheres dedicado à compreensão do feminino e ao resgate do cuidado amoroso com a existência – o Mulheres em Círculo. Havia vaga. Fui aceita.
O primeiro encontro aconteceu em março de 2015. Faz quatro anos. Uma graduação universitária, pensei dia desses. Levei quatro anos para me tornar jornalista profissional. E agora? O que me tornei passado esse mesmo tempo entre conversas, chás, partilhas, leituras, estudos, histórias, mitos, sonhos, insights, danças, trabalhos corporais e artísticos?
Constato que não me tornei. Estou me tornando. A percepção do tempo mudou. Quatro anos no mundo acadêmico não encontram equivalência num círculo de mulheres. Ali fui sendo levada por uma espiral que, aos poucos, foi desmontando qualquer pretensão de linearidade – hoje posso comungar com o poeta Manoel de Barros: “A expressão reta não sonha”.
Feito criança desajeitada com as primeiras sílabas, venho aprendendo a conjugar verbos até então assustadores, como fluir, ondular, serpentear, perambular, atravessar. Antes, cada ação pensada com esmero me levaria à seguinte e assim por diante, até possuir o alvo. Havia certezas. Havia lógica. Agora existe o anseio de sentir o chão e, a partir dele, intuir o passo.
Como ensina Marion Woodman, a vida avança, recua, se esgueira pelos precipícios, sonda os vales, visita os subsolos, explora as beiras, retoma o curso lá adiante, não nessa ordem, nunca numa ordem. Mas sempre na confiança da revelação. “Algo novo emergirá do caos”. E as máscaras ficarão pelo caminho. As minhas estão se esfarelando, não sem dor, não sem medo, mas com abertura e compreensão de que deixar ir é deixar vir. O quê? Não sei. Porém pressinto. Farejo.
Não é preciso saber. Estou aprendendo que basta saber sem saber, pois o excesso de razão seca a alma, a compreensão intelectual estrangula o mistério. Além do mais, as vísceras se comunicam. O corpo é guia e protetor. Ele só precisa ser ouvido e atendido – não moldado e retalhado. Em retribuição, derrama sua bondade, seu amor, seu prazer de ser carne e consciência.
Amor. A lição mais básica, o começo de tudo. O meu começo, o meu recomeço. O amor em mim que não julga, não condena, não maltrata, porque acolhe todas as minhas partes, todos os matizes. Amor que sustenta a vida e respeita a morte. Amor que religa, reúne, reorienta. Amor que é natureza, aquela que transforma, regenera e expande.
Na espiral do vir a ser, continuo chegando a lugares onde nunca estive, ao mesmo tempo em que revisito outros, antigos, familiares. Entro e saio. Vou e volto. Avanço. A força das mulheres, vivas e mortas, jovens e velhas, curadas e feridas, me anima. Formamos uma roda imensa. Vamos assim, juntas. Girando, girando, girando..."
Raphaela de Campos Mello
jornalista e escritora
Que alegria ter você conosco, que honra fazer parte desta história!
E vamos seguindo no caminho do cuidado amoroso, girando, girando, girando...